CONHECIMENTO

Dando continuidade à nossa trilogia de possibilidades humanas que não necessariamente estão relacionadas ao poder econômico, discutimos com o 9ºC, na última 6ª feira 09/11, a questão do conhecimento.

Conhecimento está logicamente associado à ideia de verdade, uma vez que quem conhece, conhece algo que supõe ser verdadeiro. A preocupação com a verdade e com as possibilidades de conhecê-la é algo que acompanha a filosofia desde o seu nascimento, na Grécia antiga. Essa preocupação é base da epistemologia.

Episteme=conhecimento, ciência   logos=estudo de

Epistemologia=Teoria do conhecimento

Um dos principais pensadores da Grécia antiga, interessado na questão da verdade e nas possibilidades de conhecê-la, foi o filósofo Sócrates.

Sócrates nasceu em Atenas, no século V a.C., e era considerado um homem muito sábio. Através da palavra, do diálogo, ele pretendia levar o conhecimento para todos os cidadãos gregos. Entretanto, Sócrates não deixou nenhum texto escrito. Tudo o que conhecemos sobre o seu pensamento foi escrito, principalmente, por Platão.      

Platão foi um dos discípulos de Sócrates e grande parte da sua produção escrita é formulada a partir de diálogos em que Sócrates aparece como um personagem principal. É o caso da Alegoria da Caverna.

A Alegoria ou Mito da Caverna é um diálogo entre Sócrates e Glauco. Nesse texto, Sócrates cria uma imagem fictícia para fazer com que Glauco compreenda como os nossos sentidos estão propensos ao erro e à ilusão, principalmente o sentido da visão.

Para que a visão se realize, não bastam os olhos (ou a faculdade da visão) e as coisas coloridas, é preciso um terceiro elemento: a luz. Assim, além da faculdade de ver e das coisas a serem vistas é necessário que haja luz suficiente para que possamos ver as coisas tais quais são.

Ora, em diversas ocasiões da nossa vida, não dispomos de luz suficiente para enxergarmos a realidade tal qual ela é, porque existem muitas coisas que obstruem essa luz. Assim, a nossa visão da realidade está propensa a erros.

Sócrates começa, então, a sua alegoria dizendo a Glauco:

Imagine uma caverna subterrânea separada do mundo externo por um muro. Atrás desse muro encontram-se seres humanos aprisionados desde o seu nascimento. Esses seres humanos estão acorrentados pelo pescoço e pelos pés de forma que não podem virar a cabeça e só podem ver o que está a sua frente: a parede do fundo da caverna. Entre o muro e a entrada da caverna existe uma fogueira e, entre a fogueira e o muro uma passagem por onde passam  pessoas conversando e carregando figuras ou imagens de homens, mulheres e animais cujas sombras são projetadas na parede do fundo da caverna. Como num teatro de fantoches.

Nesse ponto, Sócrates pergunta a Glauco:

Nessas condições, você não acha compreensível que os homens acorrentados dentro da caverna tomem as sombras dos homens e dos artefatos que carregam como a realidade? E mais, que atribuam as vozes que ouvem às sombras projetadas na parede do fundo da caverna?   

         

Glauco diz que sim, que é certo que, nessas condições, esses homens tomem as sombras pela realidade, afinal elas são a única coisa que eles veem, desde a infância. E, mais do que isso, eles não distinguem entre os seres humanos e os artefatos que carregam posto que só enxergam sombras.

De fato, para os prisioneiros, o único real é a caverna, portanto, a obscuridade na qual não podem se ver nem ver os outros não é percebida como tal, e sim experimentada como verdade.             

        

Nesse ponto, Sócrates pergunta: que aconteceria se um desses prisioneiros, decidisse se soltar e abandonar a caverna? Se um desses homens conseguisse se soltar, virar a cabeça, andar para o lado da luz. Todos esses movimentos o fariam sofrer; ele ficaria ofuscado e não poderia distinguir os objetos, dos quais via apenas sombras anteriormente. Esse desconforto o faria  ficar embaraçado e ele já não teria certezas sobre o que é o real.

Entretanto, com o tempo, é possível que ele se habitue e possa ver as coisas. A princípio com dificuldades, mas a sua visão melhoraria com o tempo e ele poderia ver o mundo tal qual ele é na realidade. Nesse momento ele se lembrará da primeira morada, das crenças que se possuía ali e desejará voltar para esclarecer os companheiros. Entretanto, ao entrar de novo na caverna, a escuridão ofuscará a sua visão e ele dirá coisas confusas, que não farão sentido algum para os seus companheiros, habituados a enxergar apenas sombras.   

Os prisioneiros não diriam que, depois de ter ido fora  da caverna, o seu companheiro voltou com a vista perdida e que, portanto, não vale mesmo a pena sair da caverna. E, se alguém tentar retirar seus laços, fazê-los sair da caverna, indaga Sócrates, não acreditam que, se os prisioneiros pudessem eles o matariam?

Glauco responde que sim, sem dúvida alguma o matariam.

Por isso, diz Sócrates, o conhecimento verdadeiro é tão difícil. Além de ser penoso se libertar e sair da caverna, além da dolorosa confusão que se experimenta ao mudar a percepção das coisas, ainda é necessário enfrentar a incompreensão e o medo dos que ainda estão presos na ignorância.

Muito tempo depois, a partir do Renascimento, a discussão filosófica sobre a importância da verdade foi obscurecida pela consolidação do pensamento científico como único meio válido de conhecimento. O grande progresso das ciências fez com que uma nova visão de mundo surgisse. Essa nova visão fundamentou-se na crença de que a ciência seria a única forma de conhecimento capaz de proporcionar um desenvolvimento que resultaria no bem-estar da humanidade. A ideia era conhecer a natureza, descobrir as suas regularidades para poder transformá-la, em benefício da humanidade.

E, de fato, nos últimos séculos, as descobertas científicas possibilitaram criações incríveis. Entretanto, ao contrário do que se pensava a princípio, essas grandes invenções não melhoraram a vida no planeta. Ao invés disso, acirraram as desigualdades sociais, destruíram grande parte das reservas naturais, propiciaram disputas por poder que causaram violências e guerras entre outros males.

Isso porque o conhecimento científico não foi realmente pensado para a melhoria das condições de vida das pessoas, mas voltado para a produção de lucro. Assim, ele beneficia uma pequena elite que detém o poder econômico e empurra a grande maioria para uma vida de muito trabalho e privações.

Essas relações de poder, no entanto, são obscurecidas por uma ideologia que apregoa a “neutralidade” do progresso científico. Através da mídia, que difunde o consumismo como única forma possível de felicidade, somos envolvidos numa cortina de fumaça que obscurece a nossa percepção. Diante disso, cabe perguntar:

Será que realmente saímos da caverna? Será que o mundo, tal qual o percebemos hoje, através dos meios de comunicação é mesmo a única realidade existente? Existem sombras na nossa percepção da realidade? E, supondo que seja possível aproximar o nosso conhecimento da verdade, é possível usar esse conhecimento para a melhoria das condições da vida no planeta? Pense a respeito e dê a sua opinião.