Inspirados pela pergunta de Humberto Gessinger dos
Engenheiros do Hawaí, os estudantes do 9ºC analisaram textos literários e dissertativos que questionam o valor da vida humana. Em todos eles, o dinheiro apareceu como um determinante. Dessa forma, ficou claro que nem todas as vidas têm o mesmo valor, mas que esse valor é relativo.
Veja abaixo os textos utilizados:
O Bicho
Manuel Bandeira
Vi ontem um bicho
Na imundície do pátio
Catando comida entre os detritos.
Quando achava alguma coisa,
Não examinava nem cheirava:
Engolia com voracidade.
O bicho não era um cão,
Não era um gato,
Não era um rato.
O bicho, meu Deus, era um homem.
NOTÍCIA DE JORNAL
Fernando Sabino
Leio no jornal a notícia de que um homem
morreu de fome. Um homem de cor branca, 30 anos presumíveis, pobremente
vestido, morreu de fome, sem socorros, em pleno centro da cidade, permanecendo
deitado na calçada durante 72 horas, para finalmente morrer de fome.
Morreu de fome. Depois de insistentes pedidos
e comentários, uma ambulância do Pronto Socorro e uma radiopatrulha foram ao
local, mas regressaram sem prestar auxílio ao homem, que acabou morrendo de
fome.
Um homem que morreu de fome. O comissário de plantão (um
homem) afirmou que o caso (morrer de fome) era da alçada da Delegacia de
Mendicância, especialista em homens que morrem de fome. E o homem morreu de
fome.
O corpo do homem que morreu de fome foi recolhido ao
Instituto Anatômico sem ser identificado. Nada se sabe dele, senão que morreu
de fome.
Um homem morre de fome em plena rua, entre centenas de
passantes. Um homem caído na rua. Um bêbado. Um vagabundo. Um mendigo, um anormal,
um tarado, um pária, um marginal, um proscrito, um bicho, uma coisa - não é um
homem. E os outros homens cumprem seu destino de passantes, que é o de passar.
Durante setenta e duas horas todos passam, ao lado do homem que morre de fome,
com um olhar de nojo, desdém, inquietação e até mesmo piedade, ou sem olhar
nenhum. Passam, e o homem continua morrendo de fome, sozinho, isolado, perdido
entre os homens, sem socorro e sem perdão.
Não é da alçada do comissário, nem do
hospital, nem da rádio-patrulha, por que haveria de ser da minha alçada? Que é
que eu tenho com isso? Deixa o homem morrer de fome.
E o homem morre de fome. De trinta anos presumíveis.
Pobremente vestido. Morreu de fome, diz o jornal. Louve-se a insistência dos
comerciantes, que jamais morrerão de fome, pedindo providências às autoridades.
As autoridades nada mais puderam fazer senão remover o corpo do homem. Deviam
deixar que apodrecesse, para escarmento dos outros homens. Nada mais puderam
fazer senão esperar que morresse de fome.
E ontem, depois de
setenta e duas horas de inanição, tombado em plena rua, no centro mais
movimentado da cidade do Rio de Janeiro, Estado da Guanabara, um homem morreu
de fome.
UMA
CONCEPÇÃO DE SER HUMANO
Jaílson de Souza e
Silva
Na realidade social brasileira,
como no conjunto dos países ocidentais, a concepção de ser humano hegemônica é
centrada na figura do consumidor. Nesse caso, valoriza-se (ou, mais
significativo, naturaliza-se) a identificação entre o ser humano e o consumidor
de bens distintivos. Assim, o ser mais valorizado socialmente é aquele que tem
maior acesso aos bens considerados distintivos: imóveis, carros, diplomas,
empregos mais sofisticados etc. No caso brasileiro, o acesso a esses bens têm
um crivo racial, os autodenominados brancos têm uma condição de consumo de bens
distintivos bem superior aos dos negros (pretos e pardos). Assim, um homem
branco, morador de uma área nobre, com nível superior trabalhando em uma grande
empresa multinacional e dono de um carro importado tem sua vida considerada
mais importante do que a de um jovem negro, com baixa escolaridade, morador de
uma favela, que gosta de funk e está desempregado. E a partir dessas
hierarquizações do valor da vida vão sendo estabelecidas as políticas públicas,
em particular a de segurança, a de investimentos em equipamentos culturais etc.
(texto adaptado)
O VALOR DO DINHEIRO E AS RELIGIÕES
O
dinheiro foi concebido para facilitar o comércio, intermediando a troca de
mercadorias. O dinheiro em si não tem valor, apenas representa um valor que é
avalizado pelo governo que dá as garantias de estado do valor escrito naquele
papel moeda. Teoricamente, a qualquer momento um cidadão poderia apresentar seu
papel moeda ao governo emissor e o trocaria por ouro em seu valor
correspondente. Isso se chama lastro, que supõe-se que o governo tem em seu
poder ouro suficiente para cobrir todo o montante de moedas emitidas por ele.
Hoje é sabido que tais garantias são muito mais virtuais do que físicas, pois
acredita-se que o país tenha capacidade de honrar esse compromisso baseado na
condição de sua economia de maneira geral. O lastro do dinheiro é cada vez mais
virtual e menos físico.
Com
isso, o dinheiro tornou-se um verdadeiro simulacro. Isto é, desvinculou-se
daquilo que ele representava e assumiu um valor em si mesmo, como se aquele
papel ou moeda tivessem de fato o valor nele impresso. A sociedade passou a ter
uma fé inconsciente para crer nesse valor. No decorrer da história, o dinheiro
passou a assumir cada vez mais uma posição divina, a representação física do
deus da riqueza, a quem Jesus chamou de Mamon. Como deus, ele exige adoração e
promete coisas que só Deus poderia poderia fazer. Embora ditas de maneira um
tanto jocosas certas afirmações correspondem ao pensamento da maioria da
pessoas, tais como “dinheiro não é problema, é solução”; dinheiro não traz
felicidade, manda buscar”; “o dinheiro compra tudo”; “rico nunca vai preso”;
“rico é que é feliz”; etc. Ditas com tanta frequência, passam fazer parte do
inconsciente coletivo e, como um conjunto de crenças, determinam o estilo de vida da sociedade.
É
tão forte o serviçalismo que as pessoas prestam ao dinheiro que até mesmo no
ambiente eclesiástico as coisas funcionam a partir dele. É muito deprimente ver
pregadores na mídia fazendo apelos emocionais suplicando ajuda financeira ao
público dando a impressão que Deus está mendigando, como que se também ele, o
único legítimo e verdadeiro dono do ouro, da prata e de todas as coisas, também
dependesse de Mamon. A impressão que se tem é que Deus se tornou refém do
sistema financeiro.
Disponível em:
http://www.gruponews.com.br/2009/12/o-valor-do-dinheiro.html acesso 17/10/12
EU ETIQUETA
Em minha calça está grudado um nome
Que não é meu de batismo ou de cartório
Um nome... estranho.
Meu blusão traz lembrete de bebida
Que jamais pus na boca, nessa vida,
Em minha camiseta, a marca de cigarro
Que não fumo, até hoje não fumei.
Minhas meias falam de produtos
Que nunca experimentei
Mas são comunicados a meus pés.
Meu tênis é proclama colorido
De alguma coisa não provada
Por este provador de longa idade.
Meu lenço, meu relógio, meu chaveiro,
Minha gravata e cinto e escova e pente,
Meu copo, minha xícara,
Minha toalha de banho e sabonete,
Meu isso, meu aquilo.
Desde a cabeça ao bico dos sapatos,
São mensagens,
Letras falantes,
Gritos visuais,
Ordens de uso, abuso, reincidências.
Costume, hábito, permência,
Indispensabilidade,
E fazem de mim homem-anúncio itinerante,
Escravo da matéria anunciada.
Estou, estou na moda.
É duro andar na moda, ainda que a moda
Seja negar minha identidade,
Trocá-la por mil, açambarcando
Todas as marcas registradas,
Todos os logotipos do mercado.
Com que inocência demito-me de ser
Eu que antes era e me sabia
Tão diverso de outros, tão mim mesmo,
Ser pensante sentinte e solitário
Com outros seres diversos e conscientes
De sua humana, invencível condição.
Agora sou anúncio
Ora vulgar ora bizarro.
Em língua nacional ou em qualquer língua
(Qualquer principalmente.)
E nisto me comparo, tiro glória
De minha anulação.
Não sou - vê lá - anúncio contratado.
Eu é que mimosamente pago
Para anunciar, para vender
Em bares festas praias pérgulas piscinas,
E bem à vista exibo esta etiqueta
Global no corpo que desiste
De ser veste e sandália de uma essência
Tão viva, independente,
Que moda ou suborno algum a compromete.
Onde terei jogado fora
Meu gosto e capacidade de escolher,
Minhas idiossincrasias tão pessoais,
Tão minhas que no rosto se espelhavam
E cada gesto, cada olhar
Cada vinco da roupa
Sou gravado de forma universal,
Saio da estamparia, não de casa,
Da vitrine me tiram, recolocam,
Objeto pulsante mas objeto
Que se oferece como signo dos outros
Objetos estáticos, tarifados.
Por me ostentar assim, tão orgulhoso
De ser não eu, mas artigo industrial,
Peço que meu nome retifiquem.
Já não me convém o título de homem.
Meu nome novo é Coisa.
Eu sou a Coisa, coisamente.
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